sábado, outubro 22

Como Confiar?

O conto abaixo, com um texto mais longo que o normalmente os publicados aqui, era para estar num concurso de literatura. Mas como o prazo estava muito em cima e meu tempo muito curto, não consegui organizar meus contos a tempo de participar do concurso.
Uma pena.

O lado bom é que vocês poderão ler o conto agora, com exclusividade. Só vocês.
Boa sorte!


Como Confiar?

Nunca acreditei nela. Nunca confiei. Como eu iria confiar em uma mulher como ela, que se dá assim, tão facilmente, para um sujeito que acaba de conhecer? Como confiar numa mulher assim? Pior ainda, saibam, ela se deu para um homem, eu no caso, dezoito anos mais velho que ela! Ela tem apenas vinte e três. Eu, quarenta e um. Como confiar numa mulher tão nova, de outra geração? Como? Eu não sei como. Nunca soube. Por isso mesmo não confio. Por isso nunca confiei.
Ela, claro, como todas o fazem, vive dizendo que me ama. Diz amar demais. Diz que foi amor à primeira vista. Como acreditar? Como acreditar numa mulher da geração dela? Como, se essas meninas, eu bem sei, não querem nada da vida, são umas irresponsáveis mentirosas? Não sabem o verdadeiro significado do amor. Não sabem!
Ontem, como faz todas as quintas-feiras, ela saiu com as amigas para um bar. Somente mulheres. Somente elas. Elas, as mesmas amigas que saíram juntas, há cinco meses atrás, quando nos conhecemos. As mesmas, desculpem-me pela expressão, putas. Dizem que saem somente para colocar os assuntos em dia, as fofocas, sabem? Sabem? Pois eu não sei. Não sei, nunca entendi, afinal, por que diabos elas têm de sair só, sem homens. Quer dizer, nunca acreditei isso sim! Nunca!
Sabem, no dia em que nos conhecemos, estavam elas no mesmo bar em que foram ontem. No mesmo bar em que vão sempre. No mesmo bar! As mesmas mulheres, as mesmas amigas, as mesmas, desculpe, putas, no mesmo bar! E ela quer que eu acredite que saem somente para colocar as tais fofocas em dia. Ah, caralho, como? Ela deve me julgar um trouxa, isso sim! (Sei que sim). Como acreditar que ficam mesmo apenas nas tais fofocas, se no dia em que nos conhecemos, eu e Marcos, um amigo, estávamos no tal bar, sentados na mesa ao lado da delas, que falavam sem parar e disparavam olhares a todas as direções - principalmente à nossa mesa – quando eu finalmente levantei e fui até elas com uma garrafa de cerveja, para encher os copos vazios que estavam sobre a mesa delas, já puxando uma cadeira, sentando-me ao lado dela, exatamente ao lado dela, pois era ela, a puta-mor, quem não tirava os olhos da mesa onde eu estava, e sai de lá com ela no meu carro, direto para a casa dela, onde transamos a noite toda e, claro, sem camisinha? Afinal, só pode ser puta. Desculpe-me, mas é a verdade. Como acreditar que ficam nas fofocas apenas?
Por isso, e por outras coisas mais, que não confio, nunca confiei e nunca confiarei, mesmo estando ao seu lado quase todos os dias. Como acreditar no que ela diz fazer quando não estamos juntos? O que, afinal, garante a mim que ela não está mentindo desavergonhadamente? Nada, não? Sei que não há nada. Não sei nem mesmo por que, porra, fico aqui remoendo, perguntando, insistindo.
Vejam só o que direi a seguir e digam se é possível confiar numa mulher dessas:
Semana passada. Sexta-feira à noite. No relógio, dez e meia. Eu, em casa, sozinho, nada para fazer. Ela, teoricamente, em casa, teoricamente sozinha e, teoricamente, nada para fazer. Eu assistia a um filme que havia pegado na locadora e que acabara de acabar. Ela, importante dizer, mora só. Finado o filme, solidão, nada pra fazer, peguei o telefone de casa e liguei para a casa dela. Seis toques, nenhum atendimento. Já fiquei puto da vida, imagem. Afinal, ela, teoricamente, estava em casa fazendo nada, certo? Então, cacete, por que, diabos, ela não me atendeu? Eu, já completamente emputecido e certo de que estava sendo enganado, de que me fazia de trouxa na cara dura, resolvi ligar no celular. Somente no quinto toque, repito, somente no quinto toque ela me atendeu! E arfava, a vagabunda! E havia um barulho de trânsito, ao fundo. Puta! Onde estava?
- Oi.
- Oi! Onde você está? – Já disse, sabem, daquele jeito em que as salivas acumulam nos cantos da boca.
- Ué, em casa. – Ela tentou parecer furtiva.
- Sério? – Fui irônico – Pois olha que curioso: acabo de ligar na sua casa e você não atendeu.
- Ah, desculpe. É que acabo de sair do banho.
- E arfa por quê? Cansada?
- Desci as escadas correndo para pegar meu celular. Quer ligar em casa?
- Não, deixa. – Disse eu puto e burro, tomando pela raiva, que não me permitiu pensar direito – Só queria saber se está tudo bem.
Olhem como fui burro. Se naquele momento eu tivesse ligado em sua casa, teria pego, descoberto sua mentira. Ela blefou. Apostou alto. Percebeu que eu estava uma pilha e arriscou todas suas fichas. Eu, burro e cagão, cedi a ela a vitória. A vaca me conhece. Sabe me ludibriar. Sabe me testar e sabe quando e quanto pode apostar.
- ‘Tá em casa?
- ‘Tou! Já não disse?
- ‘Tá sozinho?
- Claro, né?
- Vem pra cá.
- Não. ‘Tô cansado e amanhã devo acordar cedo.
- Que pena. Queria te ver hoje. Estou com saudade.
- É. Pena mesmo. Mas hoje não dá. Escuta, vem cá, esse barulho de trânsito... Onde você realmente está? – Enfatizei o realmente.
- Em casa, já disse! – Ela alterou o tom. Parecia puta. Truque. Estava revertendo o jogo. Vaca!
- Você sabe muito bem que em casa meu celular não dá sinal. Só aqui na janela, não sabe?
- ‘Tá bom, ta bom! Deixa pra lá. Amanhã a gente se fala.
- Tchau. - Ela foi seca.
Desliguei sem me despedir. Vaca. Puta! Sabe me enrolar. Tenho certeza que em casa ela não estava. Eu devia pegar o carro e ir até a casa dela para pegá-la no pulo. Aquela puta!
Mas não consegui. Puta! Eu estava sem saco para ela, sem saco para isso. Puta!
Naquela noite demorei a dormir. Tanto pior para mim, que tinha que acordar cedo. Tudo pela puta! Não fosse ela, teria dormido cedo, eu sei. Mas, não. Dia seguinte, acordei cedo e fui, morrendo de sono, buscar a Angélica, minha esposa, e o Henrique, meu filho, no aeroporto. Eles voltavam de Goiânia, onde ficaram uma semana.
E graças aquela puta, passei o Sábado sonolento.
Como vou confiar nela?


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