sexta-feira, novembro 26

Eu e o mar

....Acabei de decidir: não decidirei nada! Se o mar armou uma onda desse tamanho para mim, só para mim, para me pegar, me molhar, encharcar e tentar me afogar, esperarei aqui, sentado, ela me atingir. E que me atinja com força e com raiva, para eu lutar quando ela finalmente chegar. Porque para acabar comigo, coitada, ela ainda precisa de muito mais água.
....O engraçado foi a marola que chegou, com o Sol ardendo, molhando meus pés descalços, me refrescando, tentando me fazer crer que aquele mar todo era poder, mas era também submissão.
....O curioso é que aquele beijo molhado e salgado, gelado e refrescante em meus pés, não me conquistou, não me iludiu. Porque quem é feito pro mar, quem no mar se criou, quem no mar se feriu e curou todas as feridas na água desse mesmo mar, assim como eu, sabe muito bem que o mar não dá de graça.
Na verdade, e isso poucos sabem, o mar só dá para te conquistar, te chamar pra junto, pra dentro, pra depois te abocanhar, com uma onda desse tamanho que tenta me pegar. Só que eu, pra infelicidade do mar, não entrei na água. Ao senti-la em meus pés, não exitei. Olhei pro horizonte, onde o mar vira oceano e o oceano vira céu, e fixei lá meu olhar, esperando a onda se formar.

....Eu sabia que a espera poderia me cansar, então, antes que o cansaço chegasse, sentei nas areias úmidas, e fiquei assim, como estou agora. Tive tempo ainda pra brincar com um cachorro perdido que veio me cheirar e pedir carinho. Queria brincar, eu brinquei, esperando a onda chegar.
....Agora, lá vem ela. Eu estava certo novamente. A onda quer me pegar. Quer saber o que eu vou fazer. Quer me ver com medo. Quer que eu fuja, que eu lute, que eu brigue. Mas eu só sorrio. Eu só espero a onda me atingir

quarta-feira, novembro 24

Uma rápida observação

....Ela parou, sentou e por lá ficou. Parada, ela olhava o nada. Era como se algo a tivesse hipnotizado. Ou ela era o algo que estava ali para hipnotizar? Eu não sei ao certo, mas Deus, durante os quase cinco minutos em que ela olhou aquele ponto qualquer fixamente, eu olhei para aquela mulher. Olhos grandes, redondos, porém suaves e meigos. A pele bem morena, queimada de Sol, reluzia um bronze escuro. Se você ou qualquer pessoa me perguntasse qual a roupa que ela vestia, se era saia e até onde ela ia, se camisa, camiseta ou blusa de linha, eu não saberia lhe responder. Porque fixei o olhar naquele rosto, naquele olhar que fugia.
....De repente, do mesmo jeito que chegou, se levantou, deu as costas à praça e saiu andando o andar mais provocante que já vi.
....Ainda a vi por caminhar mais quinze metros antes de virar à esquina e desaparecer.
....Não sei seu nome e nunca saberei.
....Conheci seu rosto, mas já o esqueci.
....Não sei o cheiro que ela exalava, nem conheci seu sorriso.
....Também não sei porque fixei meu olhar nela por tanto tempo, enquanto minha cerveja esquentava.

domingo, novembro 21

Acertando o Tom

....Sábado. Preguiça. Sol. Rio de Janeiro.
....Ela propõe fazermos algo. Eu topo. Mas, se fosse para ser honesto, eu ficava dormindo. Só que as opções são interessantes e incluem uma incursão pelo CCBB-RJ ou pela Biblioteca Nacional, duas coisas que me interessam muito, mas muito mesmo. Por isso eu topo. "Mas começaremos pelo Pão de Açúcar", ela disse. Com direito a uma inédita, pelo menos para mim, volta no bondinho (ou seria Bondinho?).
....Então, vamos. Pé pra fora de casa. E o Sol dá as caras. Sorte que o ônibus tem ar condicionado. Não há nada como um ônibus vazio, confortável e com aquele ar condicionado gelado-congelante (como no polo norte), que pingava água pra tudo quanto é lado.
....Mas temos que passar pelo purgatório para chegarmos no Paraiso, né? Pois é...
....Chegamos. Não no Paraiso e muito menos no bondinho, mas, mas no ponto onde deveríamos saltar do Polo norte diretamente no Sol. Era quase em frente ao Canecão e um pouco antes da UFRJ. Ou seja, vamos a pé até o bondinho (para quem não conhece, dá quase meia hora de caminhada). Íamos. E íamos. Reaquecendo o corpo, obstinados, caminhávamos em direção ao bondinho. Caminhávamos.
"TOM ZÉ na UFRJ as 15h00 - Grátis!".
....No meio do caminho, de surpresa e de presente, uma faixa. Era mais uma vez a gravadora Trama e seu projeto Trama Universitário - o mesmo projeto que há duas semana me presenteou com o show do Nação Zumbi em São Paulo....Por um instante eu senti uma faca me atravesar. Naquela paranóia, ou manía de perseguição, pensei que o show já tinha sido ou ía ser numa data impossível para nós. Essa sensação durou exatos um quilhentésimo de segundo.
....O show era ali, agora!
....Ai, ai.
....Olhamo-nos assustados, surpresos e exaltados com a novidade. Olhamos, sincronizadamente, nossos relógio. Era exatamente quatorze horas e cinquenta e cinco minutos. Parecia filme, com final feliz.
....Então Ela propõe:
....- Pão de Açucar ou Tom Zé?
....- Ah, o Pão de Açucar pode ficar pra amanhã, não?
....Ela sorriu. Era o sim.
....É simplesmente perfeito ter uma companheira-musa com idéias e gostos alinhados ao meu. É um sonho.
....Demos a volta no quarteirão e entramos no campus da universidade. Chegamos a frente do palco e o lugar estava razoavelmente vazio. A espera durou mais de meia hora.

....Quando ele entrou no palco, apresentando os integrantes da banda um a um, a mágia se fez. De repente, o lugar foi tomado por universitários estranhos. Sim, estranhos - desculpem, mas sinto que há uma necessidade estranha os estudantes de universidades públicas em quebrar a barreira do normal, o que não é nada, abslutamente nada ruim.
....Sobre o show, nem resta tanto a dizer.
....Nada como um baiano inteligente, convertido em paulista, fazendo show pra cariocas. Diferente de pessoas sem personalidade (lê-se Rita Lee), Tom Zé destilou, sem medo, seu sutil e inteligente veneno baiano-paulista sobre e contra os cariocas. A todo momento exaltando minha, nossa cidade, e mal-dizendo a deles. A todo momento insinuando que nós somos mais inteligentes que eles.
....A inteligência e o sublime era tal que o público, repleto de cariocas convíctos, vibravam a cada argumento dele, o que só fazia comprovar seu argumento.
....Nem vale a pena dizer sobre uma roda de ciranda que se abriu ao final do show, no meio da platéia em transe. Ou das pessoas se comprimentando com beijos na boca.
....Aqui só cabe enaltecer ainda mais Tom.
....Ou, para melhor ilustrar, nas palvras D'Ela:
....- Nossa! Eu até gostava dele, mas depois desse show virei fã!

sexta-feira, novembro 12

Paraíso

....Hoje ouvi alguém dizer que perdeu o Paraíso, mas ganhou a inteligência. Ele, claro, se referia ao Paraíso de Deus, bíblico, perdido por Adão e Eva. Ele quis dizer que com a saída do Paraíso por parte de Adão e Eva, o ser humano pôde evoluir mais e melhor. Eles quis criticar a Igreja.
....Concordo com ele.
....Mas isso me fez pensar, afinal, Adão e Eva nos tiraram do Paraíso divino. E o que nos sobrou? Não temos mesmo mais direto a paraíso nenhum? O que é hoje o paraíso?

....Tenho duas amigas bonitas que trabalham em uma empresa multi-nacional razoavelmente bacana, em um bairro classe-média-alta da maior cidade do país. O salário delas nunca atrasou e os benefícios estão sempre em dia. Estão na empresa há tempo suficiente para todos saberem que são essenciais nela. Conquistaram o respeito e a admiração de todos, seja pelo lado profissional ou pelo pessoal. O ambiente - lê-se colegas e amigos de trabalho - é, de um modo geral, ótimo. Ao lado delas, só grandes companheiros ou amigos. Saem para aquela sagrada cervejinha com quase toda semana e, nas férias, sentem falta do pessoal do escritório.
....Para coroar, as duas namoram com caras bonitos, inteligentes, divertidos e que, facilmente, cativam todos.
....Elas são tão amigas uma da outra que estão comprando um apartamento no mesmo prédio.
....É a típica trajetória de uma vida de sucesso pessoal e profissional.
....Qual mulher não queria viver a vida que elas vivem? Que homem não queria ser tão bem sucedido?
....Olhando assim, de fora, realmente dá uma inveja incrível. Mesmo que você tenha sua parcela nessa conquista, você, sem perceber, pode invejá-las.
....Mas, esperem um pouco. Cheguem mais perto e conversem com elas. Seja delas aquilo que qualquer pessoa precisa e que elas merecem ter: um amigo de verdade. Não tenha medo do poder delas.
....Porque é só chegando mais perto que você percebe que essa história toda têm um lado difícil e complicado: a vida profissional delas não é a aquilo que elas sempre pediram a Deus. A ponto de ambas desejarem outra coisa.
....Aí, eu paro e me pergunto: quem é realmente dono do sucesso?
....Tenho outras duas amigas bonitas que moram numa cidade litorânea há alguns anos. Vivem na praia, cercadas de seus amigos. Também saem pra beber regularmente e também se divertem muito. O salário não é dos mais altos e o emprego não é em uma grande companhia multi-nacional. Mas e daí? Elas, pelo menos, não tem nenhuma gerente se achando o centro do universo que as humilhem.
....Talvez o grande segredo do sucesso seja saber seus limites. Se as duas primeiras aguentam o que aguentam, talvez seja porque realmente são mulheres de sucesso.
....Mas e o paraíso?
....Nos dois casos, o maior sucesso delas quatro é viver cercada por grandes amigos, que as divertem muito, onde a relação de amor é recíproca.
....O paraíso não é eterno, nem constante, assim como não existe felicidade, e sim alegria. O paraíso ora vai, ora vem. E quando vai, nos deixa ora no purgatório, ora no inferno.
....Talvez o paraíso não seja um lugar, nem um estado de espírito.
....Eu não preciso morrer para ser levado ao paraíso, ao purgatório ou ao inferno.
....Já os conheço muito bem.
....O inferno e o purgatório, todos têm os seus.
....O paraíso são os outros.

A frase "Eu perdi o Paraíso, mas ganhei inteligência" é dita por Zeca Baleiro na música "Piercing", lançada no disco "Vô Imbolá", lançado em '99

quinta-feira, novembro 4

....Minha mulher, se é que posso chamá-la assim, é uma ex-estudante de Letras e amante de literatura. Nesse balaio, que é a faculdade de Letras, conheço algumas pessoas que também são apaixonadas por, formadas ou não. Coincidentemente, todas essas pessoas são inteligentes, cultas, divertidas. Coincidentemente, todas mulheres + o Nilton (tirem suas conclusões).
....E, ainda nesse balaio, tem uma corinthiana chata que eu adoro e que me mandou o e-mail abaixo o qual reproduzo aqui na integra.

...."Não sei se vcs conhecem este escritor, mas ele é maravilhoso e, neste dia de chuva, nada melhor que palavras doces para alegrar o nosso dia.
......."Somos donos de nossos atos
........Mas não somos donos de nossos sentimentos;
........Somos culpados pelo que fazemos,
........Mas não somos culpados pelo que sentimos;
........Podemos prometer atos,
........Não podemos prometer sentimentos...
........Atos são pássaros engaiolados,
........Sentimentos são pássaros em vôo".
........(Rubem Alves) "

....Valeu, Van.

terça-feira, novembro 2

Tecnologia existe

....É realmente curioso ver que um ser humano sentado, dois dias seguidos, em pleno feriado, em frente a um computador, dentro de um prédio totalmente fechado, trabalhando arduamente, até ficar completamente estressado, pensa, durante todo o tempo em que está ali, numa fuga, numa forma de relaxar, de fugir daquilo, sendo que sua fuga, sua forma de relaxamento, principalmente no primeiro dos dois dias, quando o tempo lá fora é chuvoso e tedioso, consiste justamente em fazer algo qualquer em frente ao mesmo computador, seja navegando na internet, seja jogando, seja escrevendo ou seja cuidando de seu blog.
....Curioso também é, nesse momento, sentir a necessidade de atualizar seu blog, inserindo qualquer coisa, qualquer texto, e isso também lhe estressar, também lhe pressionar, como o trabalho. É curioso sentir que o blog deixou de ser, naquela momento apenas, uma diversão, um relaxamento, mas também uma forma de trabalho, de obrigação e isso lhe tirar completamente a vontade de sequer abrir a página para ver alguma coisa nele, querendo mandar o blog pra puta que o pariu, querendo finalmente sair logo dali, perdendo a vontade de escrever, perdendo o desejo de pensar. É ainda mais curioso quando ao finalmente conseguir deixar o prédio e sentir a brisa, o vento na cara, respirar o ar úmido que sai do chão, sua mente começa a funcionar, pensando em coisas para escrever, em textos para publicar no blog, como esse aqui, cuja idéia nasceu exatamente na estação de trem, quando esperava a condução que o levaria para casa ao final do primeiro dia, e pensar, já novamente tenso, que não pode esquecer esse texto, que está gravando em sua memória, para quando sentar em frente ao computador, poder, finalmente, colocar tudo em palavras.
....Relaxar...
....Da onde vem essa palavra? Para onde ela nos leva? Por que ela, a palavra, e ele, esse ser humano complicado, não conseguem andar juntos com facilidade? Como fazer para desligar uma mente que não para de trabalhar, criando pensamentos absurdos, que cada vez mais. Ele a encontrou finalmente, mais a noite, na casa de duas pessoas que ama, onde a conversa flui de forma tão gostosa, tão livre. Lá a mente dele se expande sem medo, lá ele se liberta e relaxa.
....Mas na manhã seguinte ele deve voltar para aquele prédio fechado, claustrofóbico.
....E lá está ele, novamente sentado a frente do mesmo computador. Só que, dessa vez, o Sol lá fora arde forte.
....Curioso realmente ver que um ser humano sentado, dois dias seguidos, em pleno feriado, em frente a um computador, dentro de um prédio totalmente fechado, trabalhando arduamente, até ficar completamente estressado, pensa, durante todo o tempo em que está ali, numa fuga, numa forma de relaxar, de fugir daquilo.