segunda-feira, outubro 8

Bárbara Bacon

      - Oi! Tudo bem?

      - Oi! Como vai? Pensei que não viria aqui hoje? 

      - Ah, eu ‘tava numa reunião chata, não consegui sair para almoçar antes. 

      - Então vai querer um completo hoje? 

      - Isso, um completo, por favor.

      Enquanto preparava o cachorro quente para ela, ele aproveitava para olhar de soslaio para as justamente semostradoras pernas brancas da sua cliente preferida, a quem eu via pela primeira vez naquele dia, e a quem chamava carinhosamente de Bárbara Bacon, apesar dela não o saber. Bárbara seria porque “ela é mais que perfeita”; enquanto o bacon seria porque “bacon é vida, e ela, a Bárbara, ressuscita qualquer coisa”, e também por ter, novamente nas palavras dele, “um lombo tão delicioso de se olhar, que o sabor deve ser de matar.

      Ele tem sessenta e quatro anos, é viúvo, pai de uma filha e avô de dois netos. Os poucos cabelos que lhe restam, ao redor da cabeça, apenas, é alvo como a neve, assim como sua grossa barba. Tem ainda uma nada discreta barriga e, por fim, se chama Noel. Por isso, colocou o nome de sua barraca de cachorros quente, que você pode encontrar sempre estacionada em frente ao prédio mais alto daquela avenida cheia de empresas, na zona Sudoeste da cidade, de “Dogs Natalinos do Papai Noel”, cujo logotipo é um trenó sendo puxado por quatro surrealistas cachorros quente com patas, rabo e cabeça de dachshund. É, de um modo geral, conforme atestado por todos os seus clientes e amigos, um sujeito normal, divertido, pacifico, calmo e tranquilo. A esposa se foi cedo, vitima de atropelamento, e, para que tivesse maior liberdade de horário para criar sua então pequena filha, decidiu trocar a vida de auxiliar administrativo pela barraca de cachorro quente, que hoje já conta com quase vinte anos de tradição.

      Bárbara Bacon, porém, conforme ele me confessa sempre que vou comer um delicioso cachorro quente em sua disputada barraca, desperta nele os sentimentos mais confusos, estranhos e inexplicáveis. Diz que vai dos mais nobres aos mais primatas, passando, evidentemente, pelos mais brutais. O problema é que Bárbara Bacon (eu não conheço seu nome real) tem exatos trinta e quatro anos a menos que Noel. A paixão e o amor parecem então absurda e sem propósito, como se, só por ser velho, ele não pudesse mais se apaixonar por mulheres jovens e encantadoras. Mas é muito, muito fácil compreendermos os motivos e os sentimentos todos que ele sente ao olhar para ela.

      Bárbara Bacon, é "uma mulher esmerada por Deus em uma noite após a maior luxúria a qual certamente já viveu." É branca como leite pasteurizado, alta para os padrões femininos nacionais, pés delicados, pernas grossas e deliciosas que terminam em uma linda e perfeita bunda vistosamente aliciante, tem a barriga quase que lisa e os seios espetacularmente diminutos, “do tamanho de minha boca”, arrisca Noel. A “moça dos dentes ligeiramente tortos”, como ele mesmo diz quando quer disfarçar seu encanto por ela, ainda “tem a boca simplesmente linda, com lábios grossos, feitos com carne macia e suculenta, os quais dá vontade de morder ou mordiscar por horas sem fim”. Boca que gosta de dar risadas. Gosta de gargalhar na verdade. E, conforme Noel, que se deleita ao vê-la quase que diariamente, “quando ela sorri, seus os olhos sorriem juntos, ganhando um brilho solar e se assemelhando a uma angelical supernova, como se cuidadosa e misteriosamente fosse criada por todos os querubins existentes, e que estes trabalhassem exclusivamente para manter a supernova em questão, angelical, como disse, sempre em estado inicial de sua formação, para nunca esfriar, nem nunca desaparecer, deixando assim o olhar dela brilhando infinita e hipnotizantemente”, resume bem em seus momentos de quase poeta. Enfim, são sorrisos largos, vastos, que contagiam, que fazem qualquer um sorrir quando os veem, e que “apaixonam com maior facilidade que o canto de duas mil sereias juntas.”

      Mas, segundo Noel, Bárbara Bacon tem algo de misterioso que a deixa ainda mais encantadora. Ele jura ser uma das poucas pessoas que sabem o que é, e que saber o que é ainda mais sedutor e arrebatador, afirmando que "quem a vê, pelas ruas, de longe, ou convive com ela diariamente, no trabalho, olha para uma mulher divertida e, ao mesmo tempo, elegante, com uma inteligência refinadíssima, dessas que dá medo em muitos homens. Linda, com aquela beleza clássica, que se impõe, cheia de segurança". Porém, ele afirma existir uma outra Bárbara Bacon, que só enxerga quem a vê de muito perto, com muita atenção, e com olhos treinados. De acordo com Noel, Bárbara esconde dentro si, "uma menina completamente angelical, inocente, pura, quase carente. É alguma coisa em sua boca e em seus olhos, e que só se consegue perceber olhando de muito perto". E, se o sorriso apaixonou Noel e o transformou em um moleque de doze anos, essa dualidade aparente o escravizou e desnorteou o velho em definitivo.

      Tudo isso é muito importante que seja entendido, e que se reforce o quão são e normal é Noel. Um avô exemplar, que ama seus netos. Na verdade, um ser humano tão incrível, que ama crianças tal qual seu famoso xará. E nunca, nunca foi de machucar ninguém, menos ainda mulher alguma.

      Ontem, porém, quando Bárbara foi almoçar o cachorro quente da barraca do Noel, como faz duas ou três vezes por semana, o calor era extremo, e o pobre Noel não se sentia muito bem. Talvez por não ter tomado seu remédio tarja preta nos últimos cinco dias, talvez por ter voltado a beber, ou talvez pela insolação, não se sabe, mas algo fez ele sentir todos os instintos mais primitivos se apossarem dele com força e fúria insuperáveis quando a viu de mini saia colorida, salto alto e camisa branca. Hipnotizado, as disfarçadas olhadelas de soslaio deram lugar a desavergonhadas encaradas. Ele jura que Bárbara parecia gostar do jeito que ele a olhava, mas testemunhas afirmam que o olhar dela era pura preocupação com a aparência espantosamente avermelhada do rosto e do pescoço de Noel. Tanto que, ainda de acordo com testemunhas, quando ela tocou nele, o fez primeiro com o dorso da mão, na testa de Noel, pois acreditava que o pobre estivesse com febre, e que, quando levou sua mão ao pescoço dele, foi exclusivamente pelo fato de não ter conseguido tirar conclusões decisivas em relação à temperatura corpórea do velho através de sua testa. Mas ele sentia a mão de Barbara Bacon tocar nele pela primeira vez. E ela o tocava voluntariamente, o que o fez sentir não só a temperatura fresca do toque dele, mas algo elétrico também, o que fez seu corpo inteiro tremer e, ao por algum processo químico desencadeado, Noel saiu de si.

      Ele disse, para mim, ter sentido a vista turvar. E afirma não se lembrar de mais nada do que aconteceu após o toque dela em seu pescoço. Lembra apenas do arrepio. De qualquer modo, todos que estavam ali, ao redor, dizem que tudo aconteceu muito de repente e que não poderiam imaginar que o velho fosse tão ágil. Mas Noel, quando sentiu a mão de Bárbara Bacon em seu pescoço, ali, quase em sua nuca, e viu o corpo inteiro dela tão próximo dele assim, como nunca estivera, deu uma passo à frente e rapidamente, antes mesmo que alguém percebesse, cravou os dentes no ombro direito da moça. Cravou, eu disse. Com gosto. Com força. Mordeu chupando. Chupando forte. E, com suas mãos, Noel agarrou os aloirados cabelos dela e os puxou com força,  A coisa foi tão intensa, que até Bárbara dar por si e entender o que estava acontecendo, era tarde demais. As marcas do dente de Noel já estavam afixadas em seu ombro e, ao redor de toda a mordida, uma bola avermelhada tinha nascido. Estivesse ela sozinha ali, com ele, a coisa teria sido muito pior. Mas as três ou quatro pessoas em volta a ajudaram a tirá-lo de seu ombro. Dizem ainda que estas pessoas tiveram dificuldade enorme em segurar e conter o velho enquanto ele tentava se desvencilhar e partir de novo para cima de Bárbara Bacon tal qual um cão raivoso. Teve, inclusive, que ser dopado, antes que o pudessem levar ao hospital para exames.

      Hoje fui ao Hospital. Está sob efeito de medicamentos e amarrado à cama, pela violência raivosa que tinha quando ali chegou, querendo se levantar para correr atrás daquilo que ele tem chamado de "o grande amor de qualquer vida que já tenha tido", mas afirma categoricamente, e eu acredito nele, que não se lembra de absolutamente nada. E o faz com tristeza, porque se chegou a "sentir o gosto daquela pele com cheiro de hidratante importado", não lembra e afirma saber que não terá outra oportunidade, nunca mais.

      Bom, eu acredito, na verdade, o contrário.

      Na saído do Hospital, olhei para a recepção e, para minha surpresa, Bárbara Bacon estava ali, com sua brancura e sua lindeza, desfilando seu corpo perfeito e ornamentada com uma curiosa marca no ombro direito. Definitivamente, olhando agora para ela pela segunda vez, é mais, muito mais do que o velho Noel insiste em falar.

domingo, agosto 19

Diários: Banguela

Hoje eu estreio aqui uma série de textos contatos em primeira pessoa, os quais dei o nome de Diários, por serem fragmentos da vida de pessoas, ainda que desconhecidas e fictícias.


Diários: Banguela

Hoje faz dois meses que a Carmem, mulher, amiga e companheira dos últimos cinquenta e dois anos, nos deixou. Dois meses que eu acordo sozinho na cama. Dois meses preparando meu próprio café, arrumando minha própria cama, organizando a casa e não tendo ninguém do meu lado.
Para tentar sair deste ambiente hostil, repleto desse ar espesso, carregado, que dificulta a respiração, resolvi sair de casa. Aproveitei que precisava regularizar uma documentação pela morte dela e que o Sol não estava tão quente e fui, a pé, para espairecer. O prédio do Ministério Público fica perto de casa, coisa de quarenta minutos de caminhada, só o suficiente para chegar lá sentindo o suor escorrer pela testa, pelo peito e pelas costas, a camisa grudada na frente, na barriga, e atrás.
Dentro do prédio, fiquei parado perto da entrada por uns dez minutos, só sentido o vento gelado, refrescante, do ar condicionado. Cheguei a fechar os olhos sentindo a pele ressecar. Parecia um orgasmo. Um funcionário veio até mim, preocupado, querendo saber se eu estava bem. Sim, eu estava ótimo, obrigado. Aproveitei para perguntar onde exatamente eu regularizava a documentação. Ele explicou. Tinha que subir dois andares, ir à sala vinte e dois, fila sete, e que me atentasse para o atendimento preferencial. Eis um dos poucos benefícios da velhice. Dos poucos. Vejam, os elevadores estavam quebrados e eu já andara por quase uma hora. Agora eram mais quatro lances de escadas. O sedentarismo fez pulsar o joelho. A artrose chegava de mansinho.
No segundo andar, antes de procurar pela sala, achei um banco. Sentei, esperando a dor dar lugar ao fôlego.
O atendimento foi rápido. Não tinha fila. Não para os velhos. Em coisa de poucos minutos, eu estava com o documento regularizado. É bom sentir as coisas funcionando, para variar, mas não vou filosofar sobre isso, nem fazer ligações com minha vida. Uma seção de um departamento público funcionar não significa nada para o funcionamento da minha vida. Nada.
Saí do prédio pela porta lateral, sempre vazia de gente. Todo mundo, não sei porquê, entra e sai pelo portão principal, alto, largo, imponente. Curioso. Contornei o edifício pela sombra e desci pela rampa para cadeirantes, para fugir das escadas, mas senti o ciático incomodar. Merda! Sentei em um banco, à sombra de uma árvore que não dei atenção em descobrir qual, no próprio pátio do prédio, perto do calçamento, ao lado de uma mulher jovem, algo entre vinte e cinco e vinte e oito anos, pele amorenada, cabelos negros, compridos e cuidadosamente alisados, olhos cor de mel e deliciosos peitos com o tamanho suficiente para encher até transbordar uma das minhas mãos. Fixei o olhar nela. Ela lia um livro, não consegui identificar qual. Estávamos há menos de um metro de distância e ela, claro, como eu esperava, não demorou a perceber a inquisição, e devolveu o olhar, talvez, muito provavelmente, para me perguntar, com os olhos, o que era que eu estava olhando. Mas sou um velho simpático, com meus cabelos brancos branquinhos, minhas rugas, meus olhos azuis, minhas bochechas gordas e avermelhadas, meus lábios finos e meus dentes falsos, brancos e lindos de uma dentadura usada para disfarçar a banguela.
- Bom dia, disse eu, sorrindo e olhando fundo nos olhos dela.
Ela sorriu, tímida ou envergonhada do incômodo que sentiu por eu estar lhe olhando, ou também porque, mesmo velho, esse meu olhar sempre me fez conquistar as coisas com certa facilidade. Sou velho, mas a impotência ainda não chegou até mim. Ainda tenho ereções fantásticas e minhas bolas fabricam porra o suficiente. Ela voltou o olhar para o livro. Eu baixei o olhar, para analisar calmamente seu decote. A velhice me permite certas extravagancias. Senti um fluxo maior de sangue em direção ao meu pau. Lembrei-me da Carmem. Suspirei, sentindo a tristeza pousar a mão pesada em meu ombro direito. Olhei o relógio. Ainda não eram dez horas. Precisava fumar. Precisa de um trago, mas para isso, precisaria me levantar e sair para a calçada, coisa que o ciático não permitia. Olho para os lados. Quem irá reclamar que um velho senil acendeu um cigarro? Preso, não vou.
Meu celular toca. É a Rita. Rita é viúva há cinco anos e tem dez anos a menos que eu. Enviuvou cedo, mas também, casou cedo, com um militar, com quem teve um filho homem, que hoje mora na Europa. Sei que apanhava do marido e gostava. Ainda moça, arrancou todos os dentes da boca e botou dentadura. O marido não gostava dos dentes roçando a glande, preferia a mulher banguela. O velho sabia das coisas. Eu experimentei e é bem gostoso, realmente. A Rita conhece bem a arte. E só sei por que depois que o militar morreu, Rita, com certa devassidão, deu para procurar por homens. Virou puta depois de velha. Não a julgo. Entendo. A morte é uma merda. Não, mentira. A morte não é ruim. De maneira alguma. É o fim, enfim, e todos nós caminhamos para ela. Uma merda mesmo é o habito, o costume. A gente se acostuma em ter alguém ali, do seu lado, todos os dias, dia-a-dia, ao acordar, no café da manhã, na janta, para dormir. É uma rotina. Um costume. Até que aquilo vira parte de você, até você precisar daquilo, porque sem aquilo alguma coisa está errada, alguma coisa falta. E isso é a grande merda, na verdade. Essa falta, essa coisa errada. A Carmem me preparava o café preto da manhã, a janta da noite, mantinha a ordem na casa, cuidou dos filhos, dos dois, muito bem, e era simpática, uma ótima companhia. Agora os filhos estão longe, a mulher se foi, e eu naquele apartamento vazio. E é isso que a Rita sente. A falta do militar. É esse vazio que ela tenta preencher chupando e dando para todo mundo que quiser lhe comer.  Porque você passa a tentar de tudo para preencher o vazio, é natural, mesmo sabendo que o ele não se preenche nunca.
Desligo o telefone e levanto com dificuldade. A morena, com certa compaixão, para não dizer dó, vem me ajudar. Desmoralizante, de certa forma, uma morena linda dessas, por quem eu estava tendo sonhos eróticos, vir me ajudar a fazer algo que não consigo por causa da idade. Se ela me viu, em algum momento, com potencial sexual, agora não vê mais. Sou um velho, sou seu avô. Mas aceito a ajuda. Não sou orgulhoso.
Bem em frente ao prédio, tem uns taxis estacionados. Vou com um deles até a casa da Rita. Ela vem à rua me ajudar a descer do carro, me conduz até sua casa, até sua cama, e me coloca sentado. Eu não preciso fazer nada e ela começa tirar minha roupa, como uma profissional. Fico completamente nu. Ela então tira a roupa dela, revelando os seios murchos e a pele flácida. Ajoelha diante de mim, tira a dentadura, e começa o trabalho. Fecho os olhos e penso na morena de há pouco. A Rita é mesmo boa nisso, mas sinto falta dos dentes de Carmem.

quarta-feira, julho 11

Casamento


Hoje é um dia alegre, de festa. É o dia do meu casamento e me caso com o homem que me faz feliz, que me traz paz, tranquilidade e muito carinho, porque me ama como ninguém nunca me amou.
Hoje eu visto branco, me maquio, me arrumo e fico linda como nunca. Linda de parar a rua e o bairro. Hoje serei a mulher mais linda do mundo.
E tudo isso é pelo meu noivo e para meu noivo. Só para ele. Porque ele merece. Ah, e como. Ele me merece e eu serei dele como nunca fui, não serei e nem seria de ninguém.
Nin-guém.
Nunca me entreguei a alguém como eu me entrego a ele, nem como me entregarei depois deste casamento tão sonhado.
A nin-guém.
Nem a você.
Muito menos a você, que apareceu do nada com esses músculos, esse sorriso encantador, esses olhos incríveis, essa inteligência acima da média, conquistando sempre todo mundo a sua volta, deixando todo mundo interessado em você. Todo mundo. Principalmente eu, claro. Porque você me olha sempre de um jeito especial, sorrindo com estes olhos que brilham de forma indescritível, tem essas brincadeiras que me sempre me deixaram sem graça, e ri das minhas piadas, de todas as minhas piadas, de um jeito que só você ri. E, Deus, como você fica lindo quando ri pra mim, quando ri de mim.
É.
Mas você não me quis. Me rejeitou. Você, imagine só, rejeitou meu cabelo loiro, meus olhos azuis, meus seios fartos, e fugiu de mim, desapareceu do nada para reaparecer quase um ano depois como se nada tivesse acontecido, como se eu não sentisse sua falta, como se nossos beijos fossem insignificantes, como se não tivesse se apaixonado por mim, nem feito eu me apaixonar por você como nunca me apaixonei por ninguém. Você me fez entender o real significado do amor e da paixão, essas doenças. E é isso que você é, uma doença, que me consome, que me maltrata, que me derruba, que me arranca o brilho no olhar.
Hoje eu me caso, ficarei linda e depois da festa vou dar mais que puta em suruba. Porque ele merece, porque ele me ama, porque eu quero, porque eu vou.
Hoje eu me caso, porque qualquer companhia é melhor do que companhia nenhuma, que essa solidão e esse vazio desesperador que a falta de você me impõe e que cigarro nenhum no mundo consola.

quarta-feira, janeiro 4

Amor


    Ela: “Diga que me ama?”
    Ele: “Não. Não posso.”
    Ela: “Por quê?”
    Ele: “Gosto de você, muito, e não consigo mentir para você.”
    Ela: “Mentira!”
    Ele: “Por quê?”
    Ela: “Porque se gostasse mesmo de mim tanto assim, diria que me ama só para me ver sorrir. Você não gosta de me ver sorri?”
    Ele: “Desculpe, eu...”
    Ela: “Não.”
    Ele: “Não o quê?”
    Ela: “Não desculpo.”
    Ele: “Ah, não faça assim.”
    Ela: “Ué! Você não quer me dizer que me ama e eu ainda tenho que desculpar?”
    Ele: “Está bem, está certo, eu entendo, é seu direito.”
    Ela: “Por que você mente?”
    Ele: “Como?”
    Ela: “Por que você mente? Diga que me ama!”
    Ele: “Já disse, não posso.”
    Ela: “Você não gosta de me ver sorrir?”
    Ele: “Claro!”
    Ela: “E por que não quer me fazer feliz?”
    Ele: “Não é isso...”
    Ela: “Você não gosta de mim?”
    Ele: “Você sabe que gosto.”
    Ela: “Então?”
    Ele: “O quê?”
    Ela: “Prove! Prove que gosta de mim!”
    Ele: “Como? Não posso...”
    Ela: “Ah, ‘não posso’, ‘não posso’, ‘não posso’. Que saco! Se gosta de mim, se gosta de me ver sorrir, faça-me feliz, minta para mim e diga que me ama!”
    Ele: “Não posso!”
    Ela: “E por que não pode?”
    Ele: “Não quero mentir para você.”
    Ela: “Mas eu não ligo. Minta para mim!”
    Ele: “Desculpe...”
    Ela: “Já disse, não desculpo!”
    Ele: “Tudo bem, tá certo, mas tente entender...”
    Ela: “Eu entendo: você não quer me dizer que me ama porque tem medo.”
    Ele: “É, não quero te iludir.”
    Ela: “Ah, para! Você sabe que não é isso.”
    Ele: “Não?”
    Ela: “Não. Tem medo de dizer que ama porque tem medo de que descobrir que é verdade.”
    Ele: “Como?”
    Ela: “Você me ama, eu sei, todo mundo sabe. Parece que só você não sabe. Aí que você tem medo de dizer que me ama e, assim, descobrir o quanto me ama e depois sofrer por isso.”
    Ele: “Claro que não!”
    Ela: “Não? Então prove.”
    Ele: “Provar o que?”
    Ela: “Que não me ama.”
    Ele: “Como?”
    Ela: “Não sei, se vire! Quem não me ama é você.”
    Ele: “Não sei, não posso.”
    Ela: “Não pode?”
    Ele: “É, não posso! Não posso provar que não te amo!”
    Ela: “Sabia! Você me ama!”
    Ele: “Não é isso! Você sabe...”
    Ela: “Tudo bem, não tem problema.”
    Ele: “Não?”
    Ela: “Não precisa admitir para mim. Só para você. Você precisava saber que me ama.”
    Ele: “Mas eu não te amo.”
    Ela: “Ah, lá vamos nós mais uma vez...”

segunda-feira, janeiro 2

Em cárcere


    Há um mês, estou mantendo uma mulher encarcerada e amarrada aqui no meu sótão com vista para o mar. Ela é linda, tem um sotaque delicioso, uma risada divertidíssima, olhos espetaculares e os mais perfeitos seios que já vi. Ela é tão incrível que eu levaria dias só para descrevê-la. Tão incrível que no instante em que a vi eu me apaixonei completamente. Por isso eu a trouxe para cá e a amarrei.
    Não me julguem mal. Eu não sou um sujeito ruim. Pelo contrário. Sou bom e sensato. Por isso eu a deixo com total liberdade para fazer o que bem quiser ali. No sótão, ela tem acesso à internet, está presente em todas as redes sociais, possui uma vasta biblioteca, porque ela ama ler, tem cerveja gelada sempre à mão e, principalmente, total liberdade para receber amigos e amigas. A ideia é ser tão bom que ela desenvolva uma espécie de síndrome de Estolcomo e perceba que eu sou o cara ideal para ela passar o resto de sua vida ao lado.
    Por enquanto, tem dado certo.