terça-feira, novembro 8

Namorados


Ela saiu do bar, que já estava quase vazio, e se sentou no meio fio da calçada em frente, quase na esquina. A essa hora da madrugada, foda-se que estava de saia. O estômago não estava legal. Precisava de um ar. Precisava fumar. Jogou o cabelo para o lado com um movimento de cabeça e tirou o maço do bolso. O primeiro trago foi com os olhos fechados. Ioga para quê? Sentiu alguém se aproximar. Ela não precisava olhar para saber quem era.
“Posso sentar do seu lado?”
Pedro trazia dois copos. Ela não respondeu.
“Você esqueceu seu mojito”, disse ao se sentar.
Ana agradeceu com um sorriso e encostou a cabeça no ombro de seu melhor amigo.
Pedro e Ana se conheciam há cinco anos e, desde o começo da amizade, era nítido que Pedro se apaixonara por ela. Não o disfarçava. Nem tentava. Estava sempre por perto, sempre à mão. Ele se fazia de motorista, de terapeuta, de confidente, pagava algumas contas de bares, emprestava dinheiro que nunca cobrava e dava presentinhos sem data específica. Mas não, não rolava. Era feio, desajeitado, baixo, magrelo, tímido, inseguro e omisso. Tanto que, em cinco anos, nunca tomara atitude alguma, nunca tentara nada. Ela achava isso triste, verdade, mas aproveitava, afinal seu ego adorava a situação.
A sorte dele, porém, poderia ter mudado naquela noite. Ana estava vulnerável e carente. Tinha duas semanas que terminara o terceiro namoro do ano. E era março ainda. Por isso, naquela noite, no bar, decidiu se embebedar, afogar o mundo em seis copos de mojito. E a partir daí, começou a acreditar que podia ser o Pedro. Tinha que ser ele.
 “Estou passando meio mal. Acho que bebi demais.”
“Quer uma água? Uma Coca-Cola?”
“Não, eu preciso ir embora. Mas ‘tô bêbada. Você me leva?”, perguntou tendo a certeza que Pedro não a decepcionaria.
“Claro, Ana. Mas, como a gente faz? Eu estou de carro, você está de carro.”
A falta de malícia e a burrice dele a irritavam de vez em quando. Mas tudo bem. Sem problema. Ela aguenta isso. Ela consegue conviver com isso. Oras, viveu já cinco anos com ele como amigo, não?
“Ah, eu deixo meu carro aqui. Amanhã eu pego.”
“Mas vai largar na rua?”
“Está num estacionamento. Não tem problema.”
“Bom, se você ‘tá falando...”
Levantaram, Ana com a ajuda dele, pagaram a conta e rumaram para a casa dela.
“Pronto, está entregue”, disse, acordando Ana. O Sol já nascia.
“Nossa, já?”
“Você dormiu.”
“É.”
Ficaram em silêncio. Ele esperava o tchau definitivo, talvez não soubesse o que falar. Ela alguma fala, alguma ação, qualquer coisa que não vinha, que não veio. Deus!, será que ele não percebe que hoje não, que hoje é para ele subir?
“Bom, então, obrigada. Vou tentar preparar um chá para mim, para ver se melhoro. Ai, será que consigo subir as escadas?”, disse rindo de si mesma. Atuava. Não que não estivesse bêbada. Estava, mas nem tanto.
“Se você quiser... Não me entenda mal, mas se você quiser eu te ajudo.”
“Ai, Pedro, eu te amo. Você ajuda mesmo?”
“Claro”.
Subiram os três andares do pequeno prédio. Ana se apoiava nele.
Entraram no apartamento, ela correu para o banheiro enquanto ele colocava a água para ferver. Ana precisava fazer xixi, precisava colocar algo mais confortável.
“O chá está pronto, Ana!”, gritou ele.
Ela surge de dentro do quarto vestindo apenas uma grande e larga camiseta cinza. Retocara o batom. A luz do Sol, que nascia, entrava e a iluminava de forma diferente. Estava verdadeiramente linda. Ela sabia. Pedro, apesar de olhar descrente do que via, apenas serviu duas xícaras de chá.
Sentaram-se ao sofá, um do lado do outro. Ela encostou a cabeça no ombro dele mais uma vez e jogou um das pernas sobre as pernas dele. Pedro a abraçou pelo ombro.
Só pode ser ele. Tem que ser ele. Não importa que ele seja feio, não importa que não haja paixão. Ele a ama e ela o domina, isso basta.
Enquanto tentava se convencer, adormeceu.
Acordou deitada na cama. Coberta. Ainda vestida. Ainda de calcinha. E sozinha no apartamento.

4 comentários:

  1. Ele foi meio lento...
    Ela poderia não ter bebido...
    Enfim né?

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  2. Ele foi lento? não foi ela quem levou 5 anos para finalmente tomar a atitude que ele já teria tomado no primeiro momento, não fosse ela tão fugidia?

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