sexta-feira, novembro 18

Imortal


    Ele tinha apenas 17 anos quando se casou. Encontrara Rita, a mulher de sua vida, que tinha dois anos a mais que o dobro de sua idade e era completamente desprovida de beleza, de inteligência, de humor e de senso de ridículo. Mas era rica. Milionária, até, era filha única de um magnata dono de duas grandes empresas de importação e distribuição. Além do emprego garantido na diretoria da empresa, o pacote pós-núpcias incluía uma cobertura em um bairro nobre da cidade e um carro, qualquer um que ele escolhesse, até mesmo o qual sempre sonhou em ter.
    Insegura, ciumenta, possesiva, controladora e destemperada, Rita, que explodia em gritaria a qualquer chateação por qual passasse, vigiava todos os passos do infeliz, que nunca teve a menor chance de se divertir com amigos ou com outra mulher. Para piorar, o passatempo preferido dela era humilhá-lo em público, numa clara demonstração de que o tinha em mãos. Ele era seu brinquedinho.
    A verdade é que ele tinha asco dela, mas era consciente que qualquer esforço valeria a pena para manter o nível de vida que conquistara e, por isso, ao chegar em seu lar, todos os dias após o duro dia de trabalho, ele a amava louca e doentiamente. E, assim, tiveram três filhos.
    Os anos se passaram enquanto ela engordava a base de muito pão, bolo, doces e chocolates. E conforme engordava, mais insegura, ciumenta, possesiva, controladora e destemperada Rita ficava. E cada vez mais humilhava seu marido, que paulatinamente ia se transformava em um poço de rancor, frustação e ódio, prestes a explodir a qualquer momento.
    No último dia do ano em que o caçula se formou em medicina neurológica, o pai de Rita faleceu, deixando o controle total das empresas para seu único e competente genro, afinal este fora o responsável por um crescimento nunca antes imaginado. Ele passou então a trabalhar até mais tarde, um pouco por ganância e dedicação, mas, principalmente, por que assim ganhava uma desculpa válida para fugir daquele monstro  com quem se casara e que algum imbecil, um dia, chamou de mulher. Sem a presença do sogro, ganhava um pouco mais de liberdade. Viagens, reuniões e uma série de eventos corporativos, todos inventados.
    Dinheiro, rancor, frustação ganhavam a companhia de muito poder e um novo senso de liberdade. Ele descobriu a vida noturna, o uísque, a cocaína e as putas.
    Ah, as putas. Santas, todas. Mulheres maltratadas pela vida, pela sociedade ou por clientes. Lindas, jovens e gostosas. Nunca fora tão bem tratado por uma mulher.
    Mas alguma coisa começou a dar errado.
    Ele não sabe precisar exatamente quando, como e nem com quem tudo começou. Estava com uma puta qualquer, amarrada na cama, quando algo, não sabe ao certo o que, o fez ver, no rosto da jovem e linda puta, Rita. Completamente transtornado, tomado por um descontrole nunca antes experimentado, sentou a mão na coitada, que mal reagiu. Quando ele finalmente voltou a si, o pescoço dela estava marcado, os olhos arregalados e o coração parado. Matara a puta. Um misto de susto, desespero e prazer tomara conta dele. Excedia os limites do controle. O poder sobre a vida de uma pessoa. O poder.
    Seu dinheiro e seus empregados trataram de arrumar tudo e qualquer vestígio fora apagado.
 
    Algumas semanas se passaram até que ele conseguisse sair com outra puta. Estava com medo. Mas, quando voltou a sair com uma, aconteceu novamente. Outra morte. Outra descarga de adrenalina. Outra vez, prazer e poder. E, dessa vez, sem medo, sem sustos. Gostou.
    Ele, então, passou a percorrer o Estado e a matar uma puta por semana, uma em cada cidade diferente. Encontrara a felicidade. Criara um hobby.
    Não odeia as mulheres. Muito menos as putas. Pelo contrário, ama todas, incondicionalmente. Menos uma, Rita. Esta, ele odeia. Mortalmente.
    É Rita quem ele vê no rosto de todas as putas que mata, semana após semana. O problema é que ela continua viva.

Um comentário: