terça-feira, dezembro 20

Papo de bar

Heitor: Eu queria fazer algo a mais, sabe?
Lucas: Sei...
Rafaela: Mesmo?
Lucas: Claro que não, né, porra! Minha bola de cristal quebrou ontem....
Rafaela: Vá se fuder, Lucas. Não falei com você, porra! É com ele. O que você quer fazer, Éctor?
Heitor: Estou falando dos meus textos. Minha última coluna na revista. Achei fraca.
Rafaela: Eu gostei.
Lucas: Eu não li.
Heitor: Eu queria escrever algo que chocasse as pessoas que o lessem.
Lucas: Mas você choca. Seus textos mexem com a cabeça dos leitores. Coloca uma pulga neles.
Heitor: Mas isso não choca mais ninguém. Coloca uma pulga. Mas e daí?
Rafaela: Tá, então defina "chocar".
Heitor: Não sei. Queria escrever algo que soasse transgressor e louco, porém inteligente e poético.
Lucas: Ah, você queria ser Deus?
Rafaela: Caralho, Éctor, você ficou louco, foi?
Heitor: Deus? Talvez, um pouco. Não Deus no sentido de mexer com a vida, criar, essa merda toda que não existe. Mas queria ser foda.
Lucas: Quer SER foda?
Heitor: Un-hum...
Lucas: Bom, se quiser TER foda, fale comigo que arrumo boas pra você.
Rafaela: Não. Peraí. Seu texto instiga sim. O que o Lucas disse é verdade. Toda vez que leio uma nova crônica sua, chego em casa pensando que o André e a Débora não merecem tanto minha confiança.
Heitor: Tá, mas falta vida.
Lucas: Falta sexo.
Rafaela: É. Em termos de sexo seus textos são um porre de careta. Papai-mamãe.
Lucas: E pensar que você passou a adolescência lendo Henry Miller...
Rafaela: Você lia Henry Miller? Como pode! Então falta mesmo muito sexo no seu texto.
Lucas: Falei.
Heitor: Opa, você está com um livro meu, dele, né viado?
Rafaela: Peraí, com quantos anos o Henry publicou o primeiro livro?
Lucas: Sei lá. Velho. Quase cinquenta
Rafaela: Então ainda há salvação.
Heitor: Ah, mas o cara era um gênio, né?
Lucas: Eu também sou e não pretendo escrever livro nenhum.
Heitor: É. Eu sei.
Rafaela: Você anda meio deprê.
Heitor: Tenho achado meus textos um porre. Todos eles. Chatos, cansativos...
Lucas: Mas você é chato. Você é cansativo.
Heitor: E vocês não? Olha essa conversa. Que porre!
Rafaela: É. Nossa vida anda muito regrada.
Lucas: Ah, desde que o Dézinho nasceu, eu acalmei.
Rafaela: Acalmou? Acalmou? Quando, Luc, que eu Não vi.
Heitor: Acho que vou começar a tocar o puteiro.
Lucas: Acalmei sim, porra, Rafa. Como assim "tocar o puteiro":
Heitor: Você vai ver.
Rafaela: Não. Não. Fale pra gente.
Heitor: Que meus textos sofrerão algumas drásticas mudanças.
Lucas: Por exemplo?
Heitor: Nem eu sei, porra. Mas acho que só assim vai dar em algo.
Lucas: Vai dar em algo, sim. Vai dar em merda.
Rafaela: O quê? Tá se vendendo? Um ex-punk anarquista se vendendo? Que decepção...
Heitor: Não estou me vendendo.
Rafaela: Ah, não? Adaptar seu texto, seu estilo de escrever, só para agradar, é o quê?
Lucas: Viadagem...
Heitor: Não, é seguir a tendência do mercado, é melhorar meu estilo.
Rafaela: É, tenho que concordar com o Lucas, então. Viadagem.
Heitor: Ah, vão se fuder! Vocês não entendem!
Lucas: E só você não quer ver.
Rafaela: É mesmo. Desencana de ser escritor e escreva só por lazer. Se der, deu, ótimo. Se não, aza dos outros que não vão ler seus textos.
Heitor: Será?
Rafaela: Vai por mim.
Lucas: Cuidado. Eu fui na dela uma vez e me fudi.
Rafaela: Ah, vai tomar no cú seu viado! Quando que você foi na minha e se fudeu?
Lucas: Aquele boquete que você me pagou no Bristol, no meio da tarde, só porque o cinema estava vazio. Lembra?
Rafaela: Ah, Luc, quantos anos a gente tinha? Você mal tinha uma ereção, lembra? E aquilo foi um acidente.
Heitor: É. E se eu nunca publicar algo, será um acidente também, certo?
Lucas: Mal tinha ereção, o caralho!
Rafaela: Olha, quer saber, vão os dois a merda. E você, Éctor, faça o que quizer com seus textos. Tchau.
Heitor: Peraí, Rafa. Não vai, não. Vou pegar uma carona com você.
Rafaela: Corre.
Lucas: Falou.
Heitor: Valeu.

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