terça-feira, dezembro 27

Ana Luisa

Ela trabalha a duas mesas de mim. Magra, deve ter algo entre um metro e sessenta, um metro e sessenta e cinco, sei lá. E eu chuto uns vinte e seis anos, por aí. Ela é meio estranha, sei lá. Está quase sempre usando uma botinha baixa preta, daquelas fechadas que vão só até o começo do tornozelo, sabe?, e uma meia preta, que deve ir até a coxa, mais ou menos, mas que está sempre enrolada na altura na canela, cobrindo o cano da tal botinha preta. Além disso, ela usa muita saia, que nunca são maiores que o joelho, mas que também são um pouco diferentes. Mas ontem ela se superou. Tudo bem que era sexta-feira, última sexta do ano, mas exagerou. A saia deu lugar a uma bermuda/short jeans larga (aprece que ela está cagada) que vai até o meio da coxa, um pouca mais comprida. E ainda estava usando uma meia calça tipo arrastão, sabe qual é? Isso, lá, no trabalho! A camiseta era uma regatinha. Ou melhor, eram duas regatinhas. Uma por cima da outra. A de baixo era rosa-pink. A de cima era amarela. Muito estranha. O cabelo até que é normal. No ombro. Preto. Liso. Bonito até. E ela é bem branca (acho que nunca vai à praia), sei lá. Aliás, ela até tem um rosto bonito. Mas vive assim. Parece louca. Estranha. O pessoa do trabalho acha que ela é lésbica. Eu chuto que ela deva ser bi.
Ana Luisa.
Nome bonito, né? Mas é toda assim, desse jeito.
Ela é a responsável pela internet da firma. Ela que mantém nosso site no ar, ela que o criou, etc. É única do andar que tem caixinha de som no computador, e vive ouvindo umas músicas meio estranhas que, confesso, até ontem não sabia o que era.
É que ontem o Pedro, que fez Direito comigo, foi lá na empresa. Nossa firma contratou o escritório em que ele trabalha. Então ele passou lá no meu andar para colocarmos o papo em dia e almoçarmos juntos.
- Radiohead? Ei, de onde vem esse som? - ele me perguntou.
- Daquela mesa ali - e apontei com o queixo a mesa da Ana Luisa.
Ele levantou e chegou perto da mesa dela. Foi quando rolou o diálogo mais estranho que já ouvi (imaginem o diálogo abaixo, da Ana Luisa, que contei pra vocês, com o Pedro, um advogado, todo engravatado e engomado, tipo sério, conservador, de direita):
- Eu devo estar errado...
- O quê? - ela disse olhando curiosa pra ele.
- Disse que devo estar errado, me desculpe, mas..
- Talvez eu também esteja errada - ela o interrompeu, sorrindo.
- Bom saber que não sou o único errado por aqui.
- Olha, devo confessar que você é bem errado - ela disse para ele, medindo.
Não segurei o riso. Ela, daquele jeito, toda estranha, e ele era o "bem errado"?
- Preconceito?
- Não. Eu te conheço.
- Mesmo?
- Quintas, né?
- É. Terças também.
- Terça?
- É.
- Nunca fui.
- Deveria ir.
- Isso é um convite?
- Olha, não era. Mas se você topar, passa a ser.
- Então não vou.
- Azar o seu, porque meu set de terça, na boa, acho melhor que o de quinta.
- Ah, é? Como?
- Bote a prova.
- Vipado?
- Meu e-mail, com ele - e apontou pra mim - Preciso ir.
- Tem cerveja hoje a noite.
- Ótimo. Você é linda.
- E você... A gente se vê.

No final do dia ela veio falar comigo. Sabia meu nome. Pegou o e-mail do Pedro.
- Não imaginava que você tivesse algum amigo tão interessante.
- Nem eu.
- Quer tomar cerveja com a gente hoje? Ele vai.
- Não, valeu. Já marquei cinema com minha namorada.
- Vai ver o quê?
- Mergulho Radical.
- Ah. Bom filme - disse com uma cara de decepção e se virou.
- Espera, Ana. De onde você conhece o Pedro?
- Ele é DJ de uma das melhores baladas de Pinheiros, não sabia?
- Sabia. Sabia sim. - Menti.

Esse foi o maior diálogo que tivemos. Ela é muito estranha. Só o Pedro mesmo para se dar bem com ela; ele também sempre foi meio estranho.

3 comentários:

  1. mas que preconceituoso o senhor...falando mal da garota que usa meia arrastão às 3 da tarde? qual problema...é um país livre!
    e...falando em país livre...não conhece radiohead e quer falar que ELA é a estranha? na na na ni na não...

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  2. Ali_ninha,
    antes de mais nada, bem vinda ao meu humilde blog.
    Sou escritor, mas não trabalho disso, porém bem sei que texto escrito é texto dado ao mundo. Não me pertence mais e seu significado passa a ser exatamente aquele que o leitor quiser.
    Porém, como a crítica não foi ao meu texto, explicarei:
    Olhando o menu ao lado, verá que, entre minhas bandas favoritas, está Radiohead.
    Realmente meu texto é preconceituoso e crítico, porém não à moça que usa meia arrastão durante o dia, afinal eis algo que acho extremamente sensual. A crítica é justamente à pessoa que narra o texto. Ele é o preconceituso "quadrado".

    Entendeu?

    Anyway, se ofendi, ofendi, já era.
    Espero que tenha gostado do resto que leu.

    É isso.

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  3. Né primo! Feliz 2006.
    Festa estranha com gente esquisita!

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