O relógio bate vinte horas e ela ainda está no escritório. Sozinha.
Afundada no trabalho, relatórios para examinar e prazos para cumprir, não viu
as horas passarem. É sexta-feira e todos saíram mais cedo nessa noite, menos
ela. Todo mundo tinham alguma coisa pra fazer. Menos ela. Respira fundo. É hora
de ir embora.
Sem arrumar nada da papelada sobre sua mesa, fecha o
escritório e liga o alarme. No carro, coloca um CD dos Ramones e sai dirigindo
pela cidade chuvosa, sem rumo e sem direção, até parar em um supermercado
qualquer, onde compra seis garrafinhas de alguma Ice, sem prestar atenção na
marca.
De volta ao carro, a chuva aperta. Sem sair do
estacionamento, acende um cigarro e abre uma das garrafinhas. Não abre os vidros
para não molhar o carro; para não se molhar. As cinzas vão caindo sobre sua
minissaia preta, ou no banco com alguns buracos feitos por uma ou outra brasa
de cigarro, ou no chão do carro. Espera terminar a garrafa para ligar o carro e
voltar à rua. Durante o caminho fuma um cigarro atrás do outro enquanto bebe
sua Ice. Não para de dirigir. Ela gosta. Relaxa.
A noite cai e o trânsito começa a ficar mais e mais intenso
quando ela abre a última garrafinha da bebida, que já está sem gelo. A falta de
companhia começa a latejar. Pensa em ligar para os amigos e amigas a procura de
alguém que ela pudesse ligar para lhe fazer alguma companhia, mas lhe falta
coragem.
Para o carro em frente a um boteco qualquer, sujo e escuro. Escroto.
Dentro, só tem bêbados velhos. Ela fecha os olhos e respira fundo. Procura coragem
que as seis garrafas de bebida ainda não lhe deram. Ajeita a maquiagem, tira o
sutiã e abre os dois primeiros botões da camisa branca. Abaixa a cabeça e reza.
Fica parada por quase vinte minutos. Liga o carro e dá a volta no quarteirão. A
chuva aperta. Está frio lá fora, e ela sabe. Estaciona o carro na rua de trás
do bar. Do espelho retrovisor, retira o mini terço e o aperta contra a mão. Reza
mais uma vez. Devolve o terço ao retrovisor e solta um grito libertador. Desce
do carro e sai correndo, deixando a chuva lhe lavar. A camiseta ganha certa
transparência. Ela sente muito frio.
Entra no bar. O cabelo pinga. Todos param de conversar e
olham para ela. Ela travessa o bar enquanto é devorada pelos olhos de todos os bêbados
dali. Pede uma dose de pinga e espera. Não tardará e algum velho imundo, fedido
e porco chegará até ela falando uma gracinha qualquer e ela o levará para o banheiro
nojento.
Alguma coisa tem que dar certo para ela.
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