sábado, novembro 5

Final de semana


Ainda estava escuro naquele sábado quando ele finalmente chegou ao calçadão. Olhava para o mar pela primeira vez depois de mais de vinte anos. Nem o bom comportamento o salvou. Lembrou-se dos filhos, com quem costumava ir à praia todo final de semana, mas cuja vida o destinou tomou, há dez anos. O coração estava paralisado. O ar, rarefeito.
Tirou os sapatos e os colocou, cuidadosamente, junto a uma árvore. Dobrou a calça jeans, velha, até os joelhos. Tirou a camisa para melhor sentir o vento, ainda não aquecido pelo Sol, envolver seu peito. Com muita ansiedade e medo, vagarosamente, deixou os dedos de um dos pés tocarem a areia fria. Um raio percorreu sua espinha. Plantou o pé. Um orgasmo lhe atingiu. Trouxe o outro pé para junto desse. Fechou os olhos. Era só sentimento.
Ficou ali, parado, por quase trinta minutos. Só sentindo. Era mais de vinte anos, afinal.
Quando abriu os olhos, o céu já começava a clarear. Olhou em volta. Algumas pessoas passavam pelo calçadão, daqui para ali, de lá para cá. Na areia, mesmo, ninguém ainda. Foi andando em direção ao mar.
Quando sentiu a areia molhada, deteve-se. Olhou para o pé, que afundava um pouco. Sorriu. Olhou de novo para o mar. Dentro de seu peito, todos os cavalos do mundo corriam freneticamente.
Um final de onda chegou para lhe saudar, beijando delicadamente seus pés. Gelado.
Em um rompante inesperado, correu para a água. Deu um mergulho que lavava anos e anos de dor. Emergiu com a água na altura da cintura. Mergulhou de novo. Brincava, como uma criança. Gargalhava.
O Sol, então, resolveu aparecer. Ele deixou o corpo afundar até ficar com água na altura do pescoço. Boiava. Ah, boiava. Que sensação. Livre. Leve. Como não lembrava ser possível ser. Sentiu uma lágrima quente lhe escorrer o rosto.
Quase uma hora depois, saiu da água. Andava pela areia arrastando o pé, brincando, deixando rastros. Sentou-se na areia e ficou assistindo o cenário, as pessoas, tudo. Respirou fundo e jogou o corpo para trás, deitando. Cruzou as mãos atrás da cabeça e olhou o céu.
De repente, sem perceber, sem sentir, finalmente, adormeceu. 

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