Eles se conhecerem há trinta anos, no limiar da idade madura de cada um. Não descrentes do amor, mas descrentes de qualquer tipo de relacionamento possível, nem mesmo amizades. E não era amargura, ressentimento ou qualquer algo que os fizessem pensar assim. Era apenas os anos vividos, o ápice atingido ali, perto do limiar da idade.
Ele vinha de um relacionamento mergulhado em amor. Ela vinha de um relacionamento resfriado pelo tempo e pelo ressentimento. Não enjoaram de seus antigos parceiros, apenas perceberam quão egoísta o ser humano realmente é, ao fundo, a ponto de necessitar mais tempo consigo que com outrem, a ponto de procurar sempre alguém tão como si mesmo. E foram, cada qual a seu tempo, a se modo, viver consigo e com todos.
Mas, num descuido do destino, conheceram-se.
Descobriram o quanto do outro havia em si. Muito mais, até, que de si no outro, fato que explodiu num tesão sem igual. E, apesar da determinação de não mais namorarem, fuderam-se um ao outro como nunca haviam feito antes com ninguém. Eram noites e dias seguidos trancados num quarto de hotel, com alimentação precária, não se importando para a vida lá fora, para emprego, para amigos, nada. Mas estavam resolutos em não entrarem em relacionamento algum.
...
Casaram-se.
...
Hoje, no supermercado, quando ele entrou por um corredor e deu de cara com ela, trinta anos depois de tudo aquilo, ambos paralisaram. Sentiram o frio na espinha, o rubor facial, o medo inseguro adolescente, o gélido suor, a falta de palavras. Ficaram ali, parados, encarando-se por alguns poucos eternos segundos. Cumprimentaram-se num misto de cordialidade, desespero, intimidade. Ele carregava uma cesta com poucas coisas, ela um carrinho carregado e uma criança a tira-colo. “Meu neto”, disse ela. Ele assentiu com a cabeça. “Bom lhe reencontrar depois de... faz o quê?”, perguntou ele, apesar de muito bem saber. “Trinta anos”. Ele não segurou uma lágrima. Despediram-se silenciosamente.
Ela segurou a ininterrupta dor latejante durante a fila do caixa e voltou para casa, com seu neto. Ele não finalizou as compras e foi direto para um boteco encher a cara.
Muito bom, como quase todos que você escreve.
ResponderExcluirMuito obrigado!! Mas se trocasses o "quase todos" por "poucos", soaria mais real, principalmente para um anônimo...
ResponderExcluir:O)
Quase todos podem sim, ser poucos.
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