Não eu. Na verdade, se você me perguntar se eu gosto ou não de quem eu sou, diria que a resposta é um pouco mais complexa do que um simples “gosto” ou “não gosto”. Na verdade, na verdade, não é “um pouco mais complexa”, e sim muito, mas muito mais complexa que isso.
Mas ontem a gente foi tomar uma cervejinha e ele, após um “não me lembro quantas cervejas foram”, soltou essa. Não foi assim, do nada. Estava dentro do contexto da conversa e tal. Mas o fato é que ele não gosta de quem ele é.
Ele quem? Esquece! Isso é algo que não posso contar, nem vou. Menos ainda assim, em público, aqui, onde tem “tanto leitor”. (isso foi ironia minha). Em fato, aliás, nem ontem foi. Também importante dizer que “a gente” não é eu e ele. Somos nós. Eu, ele, ele, ela, ele, ele, ela, ela e ele. Oito, no total.
Mas isso pouco importa. Importa o fato que ele, que você nunca saberá quem é, não gosta de quem ele é.
A verdade, aliás, é que eu comecei o segundo parágrafo com uma das frases mais mentirosas da história dos bares. Ninguém, absolutamente ninguém, vai tomar “uma cerveja”. Isso é engodo. Ou tomam-se muitas ou poucas, mas nunca apenas uma. Nunca! Pode-se até não tomar, tomar coca-cola - no caso dos de caráter duvidoso, ou qualquer outra coisa alcoólica. Mas uma cerveja, jamais.
Pois, corrigindo, então, tomamos muitas cervejas. Tantas que o negócio começou como um happy-hour após o trabalho, por volta das dezenove horas, mas só acabou perto das três da manhã, com o bar à meia porta, esperando que nos decidíssemos se dormiríamos por ali ou se só sairíamos sob força policial.
Mas foi antes disso, antes das três da manhã, que ele disse não gostar de quem era:
- Não gosto de quem eu sou.
- É sério?
- É. No mais profundo dos meus pensamentos mais secretos, eu sei, não gosto de quem eu sou. Não gosto porque só eu conheço todos os meus pensamentos, aqueles pensamentos que temos quando estamos sozinhos, no secreto. E não gosto deles, desses meus pensamentos. Abomino, na verdade. Mas não consigo evitar. Quando menos espero, lá estou eu, tomado pelo pensamento mais sacal, chato, infeliz, infantil, subdesenvolvido. Pensamentos como esse, por exemplo, de que não gosto de quem eu sou. Quer coisa mais ridícula? Pois é. Para você ver o tamanho do problema, quando eu percebo que não gosto de meus pensamentos, percebo que não gosto de quem eu sou. Então, quando eu penso que não gosto de quem eu sou, percebo que esse é um típico pensamento dos mais ridículos e passo a gostar menos ainda de quem eu sou. É um círculo vicioso, percebe? Não tem escapatória.
- Mas e se você pensasse sobre outras coisas, coisas legais, coisas de que gosta, você não passaria a pensar que gosta de alguns pensamentos seus, o que faria você gostar um pouco mais de quem é, o que lhe faria ter pensamentos mais legais ainda e...
- Peraí! – ele interrompeu. Você consegue perceber que se eu tenho um pensamento legal, o que, confesso, eu tenho de vez em quando, para logo em seguida pensar que gosto de mim, fudeu. Porque pensar que eu gosto de mim também é um pensamento dos mais ridículos. Você entende? Na minha opinião, pensar se você gosta ou não de você, se preocupar tanto com isso, é digno de dó. E isso eu não suporto, ser digno de dó.
Depois o pessoal vem me perguntar como é possível sentar à mesa de um bar às dezenove horas e não perceber que já são três da manhã.
E você vem me falar que era cerveja? No mínimo lírio!
ResponderExcluir