São Paulo realmente é de encher os olhos, de elevar a alma e de acalmar o agitado coração. Mesmo com seu trânsito babilônico e com seu ritmo sem sentido, eu amo São Paulo.
Quer dizer, na verdade não é bem São Paulo que enche a alma, que eleva o coração ou que acalma os olhos, mas sim o pagode da Jurema. Lá, no pagode da Jurema, tem Original, sempre geladinha, tem a caipirinha do Pedrão, sempre caprichada, e tem ela, sambando.
Ela.
Sim, ela.
Ela que realmente enche o coração, eleva os olhos e acalma a alma. Ela, uma coisinha de pouco mais de metro e meio e que toda terça-feira está na lá, no pagode da Jurema, sambando como se o samba tivesse sido criado só para que ela sambasse.
Só vendo para entender.
Morena, com a pele queimada do Sol de Bertioga, para onde vai todo final de semana, na casa da prima que se mudou para lá, sempre com o colo à mostra, exibindo a marca do biquíni, samba só, num rebolado miúdo, contido, planejado, nada espalhafatoso, como quem aprendeu a sambar bem antes de aprender a andar.
Cabelo castanho, longo, com suaves e discretas mechas loiras da parafina que, da prancha, foi, nem ela sabe muito bem como, parar no cabelo, e que cada dia é arrumado de um jeito, vezes solto, vezes preso.
E lá vai ela, sambando, rebolando, espalhando seu cheiro pelo salão. E samba sem se preocupar com ninguém, como se ninguém estivesse vendo, como se ninguém reparasse, porque, para ela, sambar é a coisa mais normal e natural que tem.
Mas, ah, se eu pudesse, um dia só, pegar naquela cinturinha dela, que se torce e retorce como que me chamando para sambar...
É toda terça-feira.
E toda terça-feira, claro, eu, como que sem nenhuma outra intenção, estou lá na Jurema, onde sempre tem um bom samba bem tocado, só para vê-la sambar seu samba que me nocauteia.
O diabo, a maldição, o inferno é que além dela e de mim, toda terça-feira, no pagode da Jurema, eu tenho que levar, a tira-colo, a patroa, a chefe de casa, a mãe dos meus filhos. Pior, o Coisa Ruim, vestido num traje de gala vermelho, bota fogo na patroa, que sai sambando salão adentro. Um samba bonito, sem dúvida, que, de tão bonito, já me arrumou duas brigas no pagode da Jurema. Mas, coitada da patroa. Por mais que sambe, e, repito, samba muito bem, mesmo sendo loira, filha de alemães, nunca vai conseguir sambar que nem a outra. Nunca vai sambar com a graça que só aquela outra tem.
Enfim, ainda assim, acredito que Deus me abençoou, porque é graças a Ele que a patroa gosta de samba. Gosta tanto que se eu, numa terça-feira qualquer, deixar a entender que não vamos ao pagode da Jurema, ganho carinhos extras, que a patroa me dá só para me convencer de levá-la na Jurema. E é graças a esse amor da patroa pelo samba que, toda terça-feira, eu vejo aquele rebolar gostoso de metro e meio a espalhar, pelo salão, o charme de sua morenice, adquirida em Bertioga. Charme que eu admiro da mesa, mesmo, com minha Original gelada e a caipirinha do Pedrão como companhias. Não ouso arriscar um passo de samba sequer. No máximo, tamborilo timidamente meus dedos sobre a mesa, no ritmo do samba, mesmo porque, afinal, tem uma coisa que nem a patroa sabe: eu odeio samba.
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