Eu os conheci há muito tempo. Eram dois dos meus melhores e grandes amigos.
O Antonio, na verdade, conheci há tanto tempo que nem lembro quando o conheci.
A Ana eu lembro bem. Foi na final da copa de '98, na casa de alguns amigos em comum.
Eu sempre achei que eles tinham muito a ver um com o outro. Inteligentes, divertidos, artistas (o Antonio, músico, a Ana, escritora), cativantes, apaixonantes.
Fui eu quem os apresentou, num aniversário meu, num pequeno e vazio bar em Moema. Percebi que a sintonia entre eles foi instantânea.
Namoraram por seis meses e decidiram morar juntos.
Eu nunca tinha visto um casal tão em sintonia, tanta comunhão, tanto brilho em um olhar. Nunca imaginei que o amor poderia ser tão bonito de se ver.
Aliás, foi por causa deles, foi por vê-los juntos e ver como isso os fazia bem, que eu, notívago, boêmio e poligâmico, passei a acreditar na monogamia, na vida a dois, e, finalmente, engatei um namoro sério, com a Cris, com quem estou casado há um ano.
Eles, sem querer, me fizeram acreditar na vida a dois.
Há uma semana o Antonio me ligou:
- Pedro, você tem um amigo corretor, né?
- Tenho.
- Você tem como me fazer um favor e ver com ele algum apê para alugar na região da Paulista?
- Vão se mudar?
- Não. Eu vou me mudar.
Ele enfatizou o "eu".
Eu sabia que eles vinham enfrentando alguns problemas. Gênios fortes, impulsivos, nada racionais. A vida a dois, entre eles, estava desgastando e causando rusgas. Mas não sabia que tinham ido tão longe.
Ele me pareceu calmo, sereno, mas sem aquela antiga e deliciosa paixão na voz. Quando almoçamos juntos, no mesmo dia, para conversarmos melhor, vi os olhos mais sem vida que havia visto. Mas ele não se disse triste. Disse que era melhor, que não dava mais, que estavam se matando.
Pois já tinham se matado, sem perceberam.
Antonio estava como um zumbi, sem energia, nem brilho, nem paixão pela vida. Ana também.
Eu a encontrei no mesmo dia, a noite. Liguei para ela à tarde e marcamos um jantar.
O mesmo papo.
- Ah, Pedro, não vou dizer que estou feliz, alegre. Estou muito machucada, muito magoada com tudo. O pior é que eu sei que nunca vou amar ninguém da mesma forma que o amei.
- Que o amou? Então realmente não o ama mais?
- Não sei. Não sei.
Antonio havia dito quase o mesmo quando falou que agora ele ia "ou morrer solteiro, ou casar só, para não morrer só".
Para mim foi nítido que ainda se amavam.
No dia seguinte eu não consegui falar com eles. Ambos me ligaram pela manhã, mas disse aos dois que estava ocupado. Menti. A verdade é que estava com muita raiva deles. Muita.
Antonio matou o que Ana tinha de mais bonito. E Ana fez o mesmo com Antonio.
Eles mataram também o relacionamento mais delicioso de se ver. Eu e a Cris, e todos os nossos amigos em comum, ficávamos horas olhando para eles namorarem, cheios de carinho, de amor, de liberdade, de alegria, de risadas. Dava uma paz, uma tranqüilidade. Fazia-nos acreditar que o mundo tinha seus refúgios, que o mundo podia ficar mais fácil.
Eles mataram a crença que eu tinha no mundo. Mataram a alegria que era vê-los juntos.
Naquele dia, quando eu contei pra Cris, assim que cheguei em casa, choramos juntos, como se chora a morte de um grande amigo. Porque foi isso que aconteceu. Ana e Antonio mataram um grande amigo nosso.
Esperava que a distância, um tempo afastados, pudesse fazê-los refletir melhor e, quem sabe, voltar a se encontrar.
Me enganei.
Faz seis dias que o Antonio não vai trabalhar. Não atende nenhum telefone. Não está em casa. Desapareceu. Simplesmente, sumiu. A única dica, um bilhete encontrado sobre a mesa de jantar de seu novo apartamento:
"Vagar sem alma, morte incerta. Sou humano, acho. Ou, um dia fui. Ana, nós matamos a mim, já. Alguém precisa dar o golpe de misericórdia."
A Ana está morando conosco. Tememos pela sua vida, pela sua segurança. Está um caco.
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