Ela vinha correndo, quando passou por ele. Saia social cinza, camisa branca, terninho azul. Era evidente que não corria por esporte, e sim fugia de algo ou tentava alcançar algo, nem que fosse o tempo perdido. Corria há trinta minutos. Ele acompanhou sua corrida com os olhos e viu quando ela parou, exausta, a poucos metros dele.
Ela sentia as pernas tremerem, bambas. Arfava. Esbaforida. Se quisesse, se ao menos tentasse, nem conseguiria articular as palavras. Sentia o suor lhe percorrendo as têmporas, doce e suavemente. O tronco inclinara para frente sem que ela pudesse controlar. Os joelhos, levemente dobrados, serviam de apoio para as mãos, que por sua vez eram apenas a base que tentava evitar que o tronco se curvasse ainda mais. Sentia a maresia bater em seu rosto. Sentia o ar morno. Sentia o corpo fervendo.
- A senhora...
Paulatinamente, ela se virou um pouco. O mínimo, para que conseguisse enxergar quem a chamava - cabe aqui dizer que a curiosidade feminina foi o principal impulso para que ela conseguisse se mexer a fim de ver quem falava com ela.
-...deixou cair isso? - ele completou. Manteve-se distante dela pelo menos um metro. Ele falava com o cuidado de quem procura abrir uma flor sem machucar as pétalas. Em suas mãos, o salto da sandália que ela usava.
Ela não olhou nos olhos dele. Apenas um sutilíssimo abano com a cabeça indicando um suave sim. Ela nem tentou sorrir. Não conseguiria.
Seu salto quebrara um pouco antes de parar. Foi o limite. Tinha corrido por meia hora, sem parar, e seu corpo clamava por piedade. Lentamente ela devolveu o corpo a posição anterior, pendendo pra frente.
Apenas conseguia arfar.
Ele se aproximou mais um pouco. Não a tocou. Colocou sua cabeça numa altura próxima na qual a dela estava e disse, quase num cochicho:
- 'Tá tudo bem com a senhora? Quer ajuda? Eu posso lhe conseguir um copo d'água, lhe ajudar a sentar.
De onde ele estava agora, mais próximo a ela, pôde sentir, apesar do suor dela, o agradável cheiro que a pele dela exalava.
Ela, apesar do cansaço, pôde sentir o forte cheiro de cerveja. A resposta dela, olhando para o chão, foi o silencioso arfar.
Erroneamente, ele entendeu que aquilo pudesse ser um sim. Deixou o salto da sandália no chão à frente dela e voltou ao bar onde estava quando a viu, a aproximadamente dez metros de onde estavam agora. Foi até ele numa rápida corrida a fim de conseguir um copo com água. Quem sabe uma cadeira. Enquanto esperava pelo lento atendimento no bar, não viu o táxi se aproximar.
Ela entrou no táxi no exato momento em que ele voltava. Tentou chamá-la, gritando um "Hey", mas apenas pôde ver o táxi a levando embora.
Nem um "obrigada".
Ela deixou o salto quebrado no chão. Nem mexeu nele.
Ele não bebeu a água, nem voltou ao bar.
Até hoje ele guarda o saldo da sandália dela. Em sua solitária imaginação, aquilo fora o presente dela a ele, a forma que ela achou para lhe dizer que a procurasse.
É por isso que onde quer que ele vá, leva o salto sempre consigo, a procura da sandália, a procura dela.
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