É realmente curioso esse negócio de morar no Rio e conviver com o contraste tão explicito assim.
Ontem mesmo eu sai da empresa muito tarde, já passava das dez, e perdi o ônibus fretado, no qual costumo ir para casa sem desconforto algum.
Peguei, portanto, um ônibus tal e qualquer.
Acostumado a ônibus desde sempre, seja em S. Paulo, seja no Rio mesmo, não tive problemas ao ver que, após horas no batente, cansado, enfrentaria uma hora, ou mais, de viagem, mesmo porque eu ouvia Cachorro Grande em meu discman. E em pé, pois o ônibus chegou sem lugares vagos para eu me sentar.
O ônibus, na verdade, nem estava tão cheio. Em pé tinha apenas umas cinco pessoas, contando comigo. Parei prostrado logo após a roleta, e esse foi meu primeiro grande erro.
Aos poucos fui percebendo olhares fixos em mim. Receoso e curioso, não fixei os olhos em ninguém, nem na loirinha com tudo em cima que me fitava sem parar. Corria os olhos de lá pra cá e fui percebendo que de paquera, tais olhares nada tinham. Eram olhares curiosos, ansiosos, tanto de mulheres como de alguns homens até.
Então a passageira Qualquer, sentada dois bancos após a roleta, ofereceu-se gentilmente para levar minha leve mochila. Aceitei sem pestanejar e me coloquei mais perto da tal morena.
Dois pontos depois entram três tipos que faz você pensar em assalto. Principalmente porque dois ficaram perto de mim, ou seja, perto da catraca, e o outro ficou lá no fundo.
Então, de repente, começa o papinho que me levaria ao segundo grande erro.
- Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, novela?
- O quê? - disse eu solícito, tirando um dos fones do meu ouvido.
- Sabe que eu estou adorando a novela?
A senhora ao lado dela não parava de me encarar. "Que raio de novela, cacete?!", pensei eu. Vejam vocês que eu não vejo novelas.
- Você está tão bem nela.
Ah, tá. Entendi. Estou sendo, novamente, confundido com algum artista.
- Obrigado - viram o erro? Eu podia ter desmentido, dito que era um equívoco, mas fui querer me meter a besta de novo, afinal, da primeira vez eu achei engraçado.
- É. Mas não acho que o que você fez com ela certo. Você não devia tratá-la desse jeito. Dê outra chance a ela! - Disse a senhora.
Não ía perder tempo explicando que era coisa do autor, mesmo porquê nem era eu mesmo quem interpretava o sujeito.
Depois de um breve silêncio, a tal Qualquer não se conteve.
- Você é muito mais bonito pessoalmente. Eu sempre achei você muito bonito, mas pessoalmente você é um gato.
- Olha, desculpe - disse a senhora ao lado enquanto todos ao redor olhavam atentos para mim e para elas - mas já eu acho o contrário. Na tevê eu acho você bem bonito mesmo. Mas fiquei decepcionada em te ver assim, ao vivo. Tão magrinho.
- Ah, eu não acho - disse a moça do banco de trás.
- Sabe o que eu acho? - disse um dos três sujeitos com tipo de assaltante
Diante do olhar perplexo de todos, ele elevou o tom de voz.
- Acho melhor vocês ficar quietinhos e me passar o dinheiro e o celular de vocês - ele disse mostrando o revolver para todos no ônibus.
Olhei para os outros dois e um limpava o dinheiro da cobradora (ou trocadora como dizem aqui) e o outro não deixava ninguém descer.
- E você, galã, passa o disqueman! Rápido, anda!
- Aê, todo mundo quietinho senão eu apago o galã aqui.
Eles me levaram até a porta, caso alguém se rebelasse.
Foi os quinze minutos mais tenso da minha vida. Maldita mania de me deixar ser confundido com assaltantes.
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