terça-feira, outubro 26

Ela

....As pernas bambearam e ela parou. Arfava. Esbaforida. Se quisesse, se ao menos tentasse, nem conseguiria articular as palavras. Sentia o suor lhe percorrendo, doce e suavemente, as têmporas. O tronco inclinara para frente sem que ela pudesse controlar. Os joelhos, levemente dobrados, serviam de apoio para as mãos, que por sua vez eram apenas a base que tentava evitar que o tronco se curvasse ainda mais. Sentia a maresia bater refrescantemente em seu rosto.
....- A senhora...
....Ela virou, paulatinamente, o corpo. O mínimo para que conseguisse enxergar quem a chamava - cabe aqui dizer que a curiosidade feminina foi o principal impulso para que ela conseguisse se mexer a fim de ver quem falava com ela.
....-...deixou cair isso? - ele completou. Manteve-se distante dela pelo menos um metro, ele falava com o cuidado de quem procura abrir uma flor sem machucar as pétalas. Em suas mãos, O salto da sandalha que ela usava.
....Lentamente, ela deixou suas pálpebras caírem por sobre seus os olhos. Um sutilíssimo abano com a cabeça. Não tentou sorrir. Não conseguiria. Seu salto quebrara um pouco antes de parar. Foi o limite. Tinha corrido quase uma hora, sem parar e seu corpo clamava por piedade. E foi lentamente também que ela contraiu suas pálpebras de volta, deixando à mostra seus negros olhos para, então, devolver o corpo a posição anterior, pendendo pra frente.
....Ele se aproximou mais um pouco. Não a tocou. Colocou sua cabeça numa altura próxima na qual a dela estava e disse, quase num cochicho:
....- Tá tudo bem com a senhora? Quer ajuda? Eu posso lhe conseguir um copo d'água, lhe ajudar a sentar.
....De onde ele estava agora, mais próximo a ela, pode sentir, apesar do suor dela, o agradável cheiro do perfume que ela usava. Inegável que tanta preocupação era uma forma de vê-la de perto, descobrir seu nome e, quem sabe, até conseguir o telefone dela.
....A resposta dela, olhando para o chão, foi o silêncio.
....Ele entendeu que aquilo pudesse ser um sim. Cuidadosamente, deixou o salto da sandália no chão à frente dela. Olhou ao redor a procura de um bar ou um quiosque a beira-mar. Lá estava, a aproximadamente vinte metros, o bar. Foi até ele numa rápida corrida a fim de conseguir um copo com água. Quem sabe uma cadeira. Não viu o taxi se aproximar.
....Enquanto ele chegava ao bar, ela chegava no taxi. Quando ele pegou o copo com água, ela entrou no taxi. E, quando ele se virou, viu o taxi, com ela dentro, sair a andar pela avenida.
....Nem um obrigado.
....Num gole só, bebeu uma das águas mais amargas que experimentou.


Mini conto escrito por mim numa tarde qualquer.

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