sexta-feira, fevereiro 28

Olhos, meu lúbrico vício

Entregar-se de maneira absoluta e incondicional à mulher que se ama é romper todos os laços exceto o desejo de não perdê-la, o laço mais terrível de todos.

Tenho uma paixão especial por olhos. O brilho, a vivacidade e os contornos, independente de sua coloração natural. Principalmente olhos bem cuidados, bem emoldurados. Gosto de molduras feitas com lápis, sombra e rímel, molduras duras, fortes, intensas, preferencialmente escuras. Gosto também de olhos grandes e alegres. Já me apaixonei por olhos muito mais facilmente do que por boca ou por nariz ou por corpo. Já me apaixonei, fugazmente que seja, mais por olhos do que por personalidade e já desapaixonei pela falta de olhos interessantes.

Letícia, a loira do apartamento 115, é um bom exemplo. Dona de curvas alucinógenas circundando um corpo magro, toda dura e firme como as carnes de quem tem vinte e dois anos e pratica dança desde os oito, exala um cheiro lascivo, luxurioso, lúbrico, com o gosto mais afrodisíaco que já provei e ainda mescla uma alta voluntariedade com a sua permissiva subordinação. Como se Afrodite, Isis e Freia reencarnassem juntas na mesma pessoa. Quando dança, chama toda a atenção do palco para si. É impossível tirar os olhos de seus movimentos, algo entre o suave, o sensual e o elegante. Culta, devoradora de livros e de filmes, diz que nada é igual a transar comigo ouvindo “Touch Me”, da banda The Doors. É, ainda, uma ótima companhia para as conversas furtivas de pós-sexo, quando fala de sua nova coreografia. Adoro ouví-la falando de dança. Mas Letícia tem um grave e insuperável defeito: olhos caídos, murchos, foscos. Sempre que converso com ela, desvio o olhar de seus olhos e foco em sua boca carnuda e macia. Durante o sexo, se estou por cima, insisto em manter o rosto colado ao dela e, se estou por baixo, foco no suave oscilar dos seios. Mas com ela gosto mesmo é de ficar por trás, assim não preciso me preocupar com seus olhos medonhos, que já me fizerem desanimar completamente em pleno ato sexual e ter que precisar de muitos minutos e força de vontade, com foco em seu delicioso corpo, para conseguir me reanimar. Um pecado que me faz odiar Deus.

Maíra, a Sereia, é quase o oposto. A negra, do outro lado da cidade é extremamente voluptuosa, com um corpo muito parecido à “Bailarina na Barra”, do Botero (quadril largo, coxas realmente grossas e alguns bons quilos acima do peso ideal), e uma sensualidade inocente qual a “Venus de Urbino”, do Ticiano. A grande diferença da Sereia para as mulheres dos quadros acima são os seios enormes e, na medida do possível, firmes. Cheia de curvas. Inebriante. Libidinosa. Passista da Unidos da Vila Maria, quando samba pela quadra, com a bateria ensurdecedora fazendo os esqueletos tremerem, Sereia rouba para si muitos dos olhares que seriam da rainha de bateria. Até mesmo eu, que odeio samba, faço questão de comparecer à quadra de vez em quando para vê-la sambando deliciosa e lindamente. Linda! Tem, no rosto redondo, a boca com um desenho que lembra um coração, o nariz delicadíssimo, a pela suave com ar angelical e um surpreendente par de enormes olhos verdes. Verdes! Uma epopeia que quase faz meu cérebro explodir. Chega a ser perigoso olhar nos hipnotizantes olhos de Maíra durante o ato sexual.

Claro, evidentemente que eu sei não existir mulher perfeita, não me iludo. A perfeição da mulher reside em suas suaves e delicadas imperfeições, o que me faz me envolver com mulheres consideradas muito fora do padrão de beleza a qual meus amigos, que não entendem nada de mulheres, acreditam que eu mereça manter. Mas o que aconteceu com a Claudete, a mulher dos lindos olhos negros enjaboticabados, foi realmente um erro, que começou, quero crer eu, em sua concepção. Vinda de uma mãe com o nariz que a fazia se assemelhar a um porco e um pai com excesso de pelos pelo corpo, inclusive no rosto, tem o rosto marcado pelas cicatrizes causadas pelo excesso de acnes. Convive atualmente com uma excessiva insegurança, que a imerge na leve depressão e a faz buscar refugio na comida, deixando-a com excesso de peso. Romântica e sonhadora, adora músicas bregas – de Roberto Carlos aos “pagodes farofa” que tanto faz sucesso nas rádios –, mas tem a sabedoria de deixar o romantismo de lado para aplacar sua carência afetiva e emocional. Ama o sexo, ignorando ser libido excessiva uma válvula de escape, uma fuga e uma busca frenética da recompensa sentimental do gozo. E, desta forma, tem uma das melhores felações da cidade, conforme comprovei no dia de um dos meus maiores porres. Um erro meu. Um erro da vida.

Mas nenhum problema se assemelha ao da existência de Tarsila. Mulher jovem, elegante e bem humorada, Tarsila possui pés delicados e usa salto alto com sensualidade elegante, como se a Altynai Asylmuratova fosse uma jovem diretora de banco. Tem as esbeltas pernas deliciosamente torneadas. As nádegas, do tamanho exato entre o pequeno aceitável e o grande delicioso, são carnudas, musculosas e arredondadas na medida certa. Os seios, quentes, repousados delicadamente em seu corpo, são relaxados, firmes e apontados para cima, com o tamanho pouco maior ou pouco menor que minha mão. Tem o pescoço tão delicado, frágil e ao mesmo tempo sensual, que teria medo de mordê-lo.  Magra com curvas levemente acentuadas, não faz o tipo de mulher que estaria na capa de alguma revista masculina desta segunda década do século XXI, por isso, perfeita.

O primeiro grande problema começa quando subimos o olhar a partir de seu pescoço. Tarsila tem o rosto delicado, com lábios grossos, boca grande, dentes brancos e o sorriso dos mais puro e cativante que já vi. O nariz é do tamanho simétrico ao do rosto, os longos cabelos são macios, volumosos, suaves e levemente arruivados, e as sobrancelhas, ligeiramente grossas, dão o contorno perfeito a seus olhos. E que olhos! A mulher que permeia meus sonhos tem os dois olhos mais lindos que o mundo já fez. Muito mais hipnotizantes que os da Sereia do outro lado da cidade. São olhos largos e brilhosos, com suave delineamento felino, de íris enormes, pupilas dilatadas e uma vivacidade tão intensa que me faz sorrir feliz só de olhar para estes dois portais do amor. Olhos para se deixar hipnotizar. Os olhos da minha vida.

O segundo problema começa logo nos primeiros cinco minutos de qualquer conversa com a Tarsila e sua fala sorridente de olhar apaixonante. Divertida, engraçada, riso frouxo, simpática e segura, Tarsila fala com facilidade sobre qualquer assunto, sempre com paixão, com entusiasmo juvenil, seja sobre sua moderna forma de pensar, seu vicio em rock e suas várias vertentes, seja sobre o mercado financeiro, sobre moda, sobre piadas infames, sobre gastronomia ou sobre sua namorada e o quanto a monogamia a faz bem. É, namorada. Homossexual sem libido algum para homens. É justamente quando sua vida amorosa vira assunto que a paixão em seus olhos floresce ainda mais, transborda, fazendo os lindos e apaixonantes olhos brilharem de forma única e até mais viva que o próprio Sol. Olhos que nunca serão meus. Olhos que são meu inferno.

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